Era quarta-feira, dia da aula de Lógica com o João Vergílio, ah como eu sofria. Eu trabalhava meio período, telefonista na ZF do Brasil. O Show estava marcado para as 10 da noite, o Gerson morando em São Paulo, não podia ir comigo, sem carro eu dependia de ônibus, não daria tempo de embarcar no último para o "Maria Eugênia".
Eu não podia perder, aquele que seria o último show do Taiguara em Sorocaba, no Bar da Marisa Lobo. O preço do ingresso era parecido com o que eu gastaria de táxi de volta para casa. Pagando o ingresso ficaria salgado pagar o táxi também, e eu não tinha esse dinheiro. O que fazer? Era questão de vida e de vida assistir Taiguara. Quando se trata de vida a gente não pode deixar passar...
Precisava encontrar um jeito de ir e voltar. Eu que pensava ter tantos amigos não me vinha à cabeça alguém que, como eu, gostasse muito de Taiguara para ir comigo e poder dar uma carona de volta pra casa. Como a falta nos torna mais criativos, pensei como poderia ir ao show "na faixa", ou, para paulistas "na Ponte Preta" e cariocas "no Vasco"!
O texto do telefax (existe ainda essa máquina?) não me lembro, mas o teor era: Gostaria muito assistir seu show, tenho LP "Imyra", não tenho grana. Ligue-me, tel. tal e tal, Marina. Eu tinha um amigo na ZF, único que trouxe de lá para sempre, o Wander, como ele viajava nas minhas viagens, tratou de botar a mensagem para voar. Enviou para o hotel que ele se hospedaria e para o Bar da Marisa. Aí foi só esperar o resultado. Estou lá trabalhando, trabalhando mesmo, telefonista trabalha seis horas, são seis horas trabalhadas, movimento intenso pabx, quando chega uma ligação com outra voz de telefonista: "Aguarde um momento, por favor, é Hotel Ipanema, o "senhor" TAIGUARA vai falar! Gente! só em lembrar nesse momento, depois de 11 anos, minhas mãos ficaram geladas e o estômago com aquela sensação de uma bola enorme, querendo sair pela boca, é o coração? Não sei, sei que revivo as mesmas sensações.
Não é que ele me ligou? O aparelho não parava de piscar, como conseguir trabalhar? O aparelho de pabx piscava feito árvore de natal, minha pressão foi lá embaixo, fiquei mole! Eu não sei o que foi que ele disse ao certo, nem o que respondi, mas nos comunicamos e ele pediu que eu chegasse ao hotel às 10 horas e entraria com ele, sem pagar o ingresso.(Caramba! Estou pensando agora, como consegui continuar trabalhando até o fim do dia com aquela emoção? Pois consegui, e feliz).
Fui pra casa, tentar comer algo, tomar um banho, escolher uma roupinha, esperar a hora de pegar o ônibus para o encontro combinado. Levei comigo o "Livro do Desassossego" de Bernardo Soares, minha companhia,(preciso dizer Fernando Pessoa?) e me mandei. Anunciada, aguardei na recepção. Ele e banda não demoraram a descer. Apresentei-me, sei lá que palavras usei para tentar mostrar em poucos minutos minha admiração, paixão pela música e poesia dele.
O Bar ficava a uns cem metros do hotel, então fomos conversando à pé . Imagine só! Eu conversando com Taiguara na boa, ele muito educado e amigo. Comentei que gostava de cantar, vez e outra cantava com um amigo num barzinho, o João Moshim; só sei que falei "por tudo quanto é junta" como diria minha mãe.
Entrei com ele para o Show, não no palco, mas era como se fosse porque a porta da frente do bar acessava o palco, e apesar de não subir ao palco, senti-me como se fosse, um pouquinho vai...
Assisti ao show sozinha, digo, sem contato com nenhuma pessoa conhecida. nem gostaria de ver alguém que me tirasse entrasse na viagem. O show foi muito bonito, claro, me emocionei, viajei, curti o show todinho. Seu último apresentado em Sorocaba. Mas isso a gente viria saber mais tarde.
Eu poderia ir embora satisfeita com o meu dinheirinho do táxi, e boa, mas tem sossego essa menina? Esperei o final e fui correndo cumprimentá-lo, agradecê-lo pela compreensão e carinho, e fui saindo com ele, os músicos e o pessoal do bar. Aquela coisa de chiclete, grude. Como ele notou que não havia meio de eu ir embora me convidou, gentilmente, para que os acompanhasse até o TROPICAL.
O Tropical era um restaurante em Sorocaba onde os artistas iam jantar depois de seus shows, onde eles iriam jantar. Fui atrás, claro! Sentei à mesa com todos, mas não ousei beber ou comer, não queria estender a gentileza, e porque não sentia fome. Quando a gente vive uma boa emoção, a última coisa que pensamos é comida. Conversamos, disse que não tocava instrumento algum, ele sugeriu o piano, disse-lhe que era nascida em Piedade e fui morar ainda menina em Sorocaba; da minha paixão pela sua música e admiração pelo poeta.
Para beber um vinho, talvez branco; o prato que ele pediu não me lembro, só sei que era marinado. O garçom do restaurante, que eu conhecia, tirou uma foto da gente, de longe, quase a gente não sai (que falta fez o celularzinho que a gente tem hoje...) mas registrou.
Depois da janta o dono do bar incumbido de levar Taiguara e músicos de volta ao hotel ainda me deixaram perto do mercado municipal, dentro de um táxi. Despedimos-nos. Era um ato comum como a gente faz sempre com família, amigos, pessoas que a gente ama: "tchau! obrigada! valeu! Deus te abençoe! Tudo de bom!, aquelas coisas, mas ao mesmo tempo, esquisito porque parecia um sonho, era estanho ter que acordar...
E Taiguara convidou-me quando fosse ao Rio que ligasse para ele, para conhecer sua família. Era muita emoção... Ele passou-me o número de seu telefone e no momento não peguei caneta e papel, o que não me fez compreender, eu que tenho vício de papel e caneta, não entendi... só sei que ele disse "é fácil, e falou o número", e tinha uma combinação fácil mesmo, parecia telefone comercial. Já dentro do táxi, dois segundos depois que saí, envolvida naquele sonho, fui anotar o número, pronto; esqueci...Tentei várias combinações e nada.
Só depois de algum tempo, quando ele já estava bem doente é que consegui contato com aquela que foi seu último amor. Ah! Ainda no restaurante, dei de presente meu "Livro do Desassossego", e pedi seu autógrafo num caderno virgem, sem pauta, bonito, folhas em branco, que ganhei na fábrica. Caderno que ele também achou bonito. Depois de tempos pensei que eu bem que podia ter dado o restante do caderno que era menos uma folha para ele, mas não dei, não sei porque, eu que adoro dar presentinhos para as pessoas que amo, e para as pessoas que gosto...Nunca mais usei esse caderno, está guardado faltando a folha que ele deixou escrita, esta que eu chamo de "POESIA QUE O TAIGUARA FEZ PRA MIM: